3- suas roupas no varal


vim pro Rio no sábado, dessa vez para buscar Fellipe, ainda bem. decidimos ficar no seu apartamento em bh. imagino você toda feliz, era o que você queria não era? tantas vezes me disse que esse apartamento era para mim, que não era para eu deixar ninguém colocar a mão no meio. ainda bem que não teve briga por causa disso, acho que no fundo todos sabiam o que você queria e respeitaram. mas hoje, eu tava aqui sentada na mesa de frente para janela, pensando na vida, admirando o silêncio que é aqui. meu olho acompanha uma borboleta amarela que voa pelo limoeiro, mas meu olhar pousa no varal da casa da frente. mesmo enxergando mal, reconheço de longe uma roupa sua. aquela sua blusa rosinha de tricô, muito fofa, mas que não pude ficar porque não me serviu. vejo também algumas das suas calcinhas, especialmente aquela branca com estrelinhas lilázes que eu te dei. eu te trouxe até aqui. quando penso nisso, vejo que de um jeito ou de outro eu cumpri aquela promessa que te fiz de te trazer para praia, lembra? quando eu saí de casa e fui morar só, você ficou tão triste, chorava todo dia. meu coração apertou, mas eu sabia que tinha de ser assim. desde aquela época eu sentia que precisava começar a desatar esse nó que existia entre a gente. ele tinha se transformado numa dependencia doentia, e para mim não dava mais. sua memória que já não andava muito boa, começou a degringolar por isso. a depressão mata as celulas do cerebro, me disse o medico. ela mora só? não tem ninguém para cuidar e fazer companhia? não tem filhos? cada uma dessas perguntas era uma facada no meu peito, mas eu não conseguia ceder. então pensei em uma coisa para te ajudar: comprei um livro de colorir e te dei todos os lápis de cor que eu tinha. te disse: se colorir o livro todo até o final do ano, vamos para praia! eu e você só. lembro até hoje do seu olhinho brilhando de pensar na praia, como a gente adorava um bom mar né? fazia anos que você não ia ver o mar, se bobear desde que eu era criança, quando a gente morou com pai em guarapari. que saudade desse tempo! você me levava para prainha todo dia de manhã, depois na hora do almoço a gente sentava naquelas barraquinhas no calçadão e almoçavamos um cascudo, com muito limão. humm, minha boca encheu de água de lembrar. o resto do dia nem lembro o que a gente fazia, o que ficou na minha lembrança era o que eu mais amava: sol, mar, peixe, você. 


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